sábado, 8 de agosto de 2009

Um novo tipo de Gripe.

Por Flávio Tonnetti.

Um novo tipo de gripe ocupou o foco principal dos noticiários no segundo semestre deste ano de dois mil e nove. A divulgação de que se tratava de um novo tipo mortal de gripe alarmou a população. Essa preocupação fez com que muita gente “precavida” buscasse modos paliativos de se proteger da gripe – o que aqueceu alguns mercados específicos de produtos hospitalares e farmacêuticos, já que máscaras cirúrgicas e gel bactericida foram vendidos como maneira de evitar o contágio. A gripe, que é um vírus, continuará assolando a espécie humana, e se transformando, não obstante essas medidas inócuas, até que uma vacina eficiente possa ser encontrada. Solução eficaz, mas ainda distante.
Se inócuas para o vírus, essas medidas também o são para a população. E se não é prejudicial o uso de máscaras – exceto pelo efeito estético - ou de gel bactericida, talvez os hábitos de higiene divulgados para evitar a gripe acabem por evitar contaminações de outro tipo. A gripe foi ocasião para nos lembrarmos da importância de lavar as mãos e ressaltar o decorro de não espirrar na face dos vizinhos. Até agora ponto positivo, para o que sobrou desse parágrafo da história das gripes.
Embora especialistas e ministros de Estado tenham ido até os mesmos meios de comunicação – que alardearam a epidemia – com o objetivo de informar e esclarecer a população de que a nova gripe não traz perigos superiores aos que já nos são trazidos pelos tipos já conhecidos de gripe – aos quais sempre estivemos expostos – todos continuam preocupados. Tamanha é a preocupação que órgãos de Estado da área de Educação recomendaram o adiamento da volta às aulas – o que revela que as diferentes esferas do poder público – Saúde e Educação – não agem em consonância, e nem pensam do mesmo modo. Ou talvez pensem em consonância – o que duvido – e essa medida de atrasar o retorno às aulas tenha sido apenas uma medida política.
E dentro das estruturas educacionais que nos são postas é possível esboçar e supor objetivos políticos secundários com o atraso do retorno às aulas: aumentar férias de alguns professores insatisfeitos da rede pública, que tem seu recesso de meio de ano cada vez mais reduzido; difundir para a população a preocupação do poder público com as crianças e jovens indefesos atendidos pelas instituições educacionais; encontrar a oportunidade propícia de operar uma contenção de gastos e desonerar a educação de algumas contas de água, luz e manutenção predial dos espaços que ficaram sem alunos; ou, e principalmente, acalmar o ânimo dos pais, tanto os das escolas públicas, quanto das escolas privadas, que ficaram desesperados com o alarde feito em torno da gripe e passaram a temer pela segurança de seus filhos quando do retorno às aulas.
O que me interessa aqui é notar como aquilo que deveria ser um problema menor de saúde pública passou a ser problema de suma importância na área da Educação, afetando a rotina de muitos estudantes e trabalhadores. E que durante a discussão desse problema – a existência de uma nova modalidade de gripe – pontos importantes relacionados tanto à saúde quanto à educação foram deixados de lado.
O que ninguém questionou, e que é algo importante pois intimamente ligado à rotina educacional, é o estabelecimento do horário de aulas. Nas regiões em que o frio é agressivo e o ar é poluído, o horário matutino de entrada dos alunos no inverno, época em que se deu o surto da gripe, é muito hostil às crianças – e também aos professores. O número de casos de gripe, seja qual for o tipo, bem como de alunos e professores com problemas decorrentes do clima da estação, aumenta nesta época. É de se supor que os alunos dos turnos da manhã – e também os de turnos que se estendem até o fim da noite – sejam os mais prejudicados por estas condições. Exposição ao frio e baixa resistência, logo, doença. O problema não é a nova gripe, portanto, mas a exposição a condições climáticas hostis que nos fragilizam. Dentro desta perspectiva, não seria necessário, então, a suspensão de aulas, mas apenas uma adequação do horário de entrada: ao invés das sete horas da manhã a entrada poderia ser feita às nove – fazendo assim com que os alunos saiam de suas camas quando o sol já se apresentou e as temperaturas estão mais amenas. O mesmo pensamento, de modo análogo, poderia ser aplicado aos dias quentes em locais em que o verão é muito hostil.
Quem socialmente determinou que os horários de estudos – e de trabalho – devem permanecer os mesmos e inalterados em todas as regiões independentemente do clima? Se é possível conceber e planejar situações sociais em que o conformo e a saúde sejam privilegiados, por que não as fazemos? Talvez as reformas sociais necessárias para operar essas mudanças sejam muito maiores – e tenhamos preguiça de operá-las; ou medo de sugeri-las.
O segundo ponto, que ninguém tocou, é que é um ponto importante quando falamos de epidemias e propagação de doenças, é a questão do elevado número de alunos por sala de aula. E da imensa quantidade de alunos por escola. Mais um ponto em que deixamos de lado a questão do bem-estar na educação dos jovens. Mais ainda, porque não se trata agora apenas de uma questão de conforto, e também não mais apenas de saúde, mas de projeto social: o número excessivo de alunos não é propício à transmissão do conhecimento, e a transmissão de conhecimento é condição para perpetuação de valores e idéias que nutrem, mantém e constroem uma sociedade que pode ser muito melhor do que a sociedade que temos. É impossível ao professor, com dignidade e eficiência, dar ao aluno o acompanhamento necessário a sua formação. Estabelecer relações intelectuais e aprofundá-las não é algo possível dentro de uma perspectiva de educação de “massas” – no pior sentido que a expressão “educação de massas” pode ter.
Finalmente, o outro ponto não abordado nesta intersecção entre educação e saúde pública, é ausência de uma estrutura de atendimento médico – e odontológico – nos espaços educacionais com grande concentração de crianças. E um atendimento que ultrapasse a dimensão hospitalar, em um serviço que seja capaz não apenas de fornecer atendimento médico ambulatorial ao público que convive e se utiliza dessas instituições de ensino, como também dar conta de um trabalho integrado de educação que privilegie noções de nutrição, higiene e prevenção de doenças. O que garantiria que um grande número de crianças, que infelizmente não tem acesso a serviços médicos nas zonas em que residem, fosse diretamente atendido por pediatras nas escolas. Uma parceria que diminuiria gastos do poder público – que poderia utilizar a mesma estrutura predial com dupla finalidade – traria conveniência e conforto à população – principalmente aos pais, que teriam a segurança que o direito constitucional à saúde estaria garantido, pelo menos aos seus filhos – e aumentaria a possibilidade de que uma “educação para a saúde” – que inclui aí questões relacionadas a consumo de drogas, gravidez precoce e prevenção de DST, questões importantes de serem tratadas na faixa etária dos escolares – fosse finalmente levada a sério e a cabo em nosso país.
A questão da gripe, quando relacionada ao atraso do reinício das aulas após as férias escolares, deveria ultrapassar as questões relacionadas ao medo de morte ou resfriado. Deveria nos colocar face aos problemas outros que uma questão como esta nos oferece, e nos fazer buscar por soluções e alternativas – que sejam mais do que simples paliativos. Com sorte pensaremos numa estrutura integrada em que saúde, educação, bem estar, conhecimento e felicidade não sejam elementos separados dentro de um tecido social frouxo. Contentemo-nos, por enquanto, com nossas máscaras, nosso gel bactericida e nosso atraso educacional. E que venham outras gripes.

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